Share

Os EUA deviam ter espionado seus aliados?

O Estado de São Paulo destaca o artigo publicado pela Americas Quarterly sobre as atividades da NSA na América Latina. 

Gabriel Marcella

Sim: A notícia da bisbilhotice da NSA envolvendo líderes mundiais dá ricos ensinamentos. Ela mostra o lado oculto das relações internacionais. Espionar outros governos - incluindo amigos e aliados - é um pilar da política externa moderna e uma ferramenta vital para proteger um país contra ameaças. Como diz o ditado, os amigos de hoje podem ser os inimigos de amanhã.

Realmente não sabemos que informações foram coletadas, mas isso causou um rebuliço em várias capitais amigas dos EUA. A presidente brasileira, Dilma Rousseff, cancelou uma muito aguardada visita de Estado a Washington em razão das revelações de Edward Snowden, alegando que a espionagem da NSA era um ataque "à soberania e aos direitos do povo brasileiro".

Devemos acreditar na surpresa desses líderes? Bernard Squarcino, ex-chefe dos serviços de inteligência da França, não se deixou enganar. "Estou admirado com essa inocência desconcertante. O serviço de inteligência francês sabe perfeitamente que todos os países, sejam eles aliados ou não, espionam-se mutuamente o tempo todo", disse Squarcino ao Figaro. O ex-chanceler francês Bernard Kouchner lamentou as revelações. "Não temos os mesmos meios que os EUA, o que nos deixa enciumados."

Se todo mundo espiona, o que pode explicar o furor sobre os vazamentos de Edward Snowden? As democracias devem prestar contas a seus eleitores e os governos precisam reagir com firmeza às ofensas a sua soberania, especialmente se elas expõem vulnerabilidades de segurança. No caso do Brasil, Dilma estava enfrentando uma situação delicada na política doméstica: as manifestações de rua em junho salientaram a queda abrupta de sua popularidade.

Agir com determinação em assuntos externos foi, portanto, politicamente vantajoso. De mais a mais, assumir a liderança em um problema internacional emergente, como a segurança da informação, aumenta o prestígio global do Brasil. Mas algumas semanas depois da indignação de Dilma com a espionagem, revelou-se que o Brasil também espionara diplomatas estrangeiros, mas com tecnologia inferior à da NSA. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK.

GABRIEL MARCELLA É PESQUISADOR DO US ARMY COLLEGE.

William Mcilhenny

Não: Não O dever dos governos é proteger suas nações contra ameaças externas e, para isso, um bom serviço de inteligência é importante. Embora espionar os inimigos não seja algo particularmente controverso, as coisas complicam quando operações de inteligência clandestinas têm como alvo amigos e parceiros. É preciso ponderar cuidadosamente os benefícios e os possíveis danos dessa atividade. A crise causada pelas revelações feitas por Edward Snowden mostra por que a espionagem irrestrita de países parceiros pode ser uma péssima ideia, salvo se impelida por necessidades imperiosas de segurança nacional.

Não surpreende que a confiança tenha sido a maior vítima quando Snowden revelou que conversas particulares da chanceler alemã, Angela Merkel, da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, do presidente mexicano, Enrique Peña, e outros líderes, foram rastreadas. A reação do governo mexicano foi sóbria (mas direta) através dos canais bilaterais. O caso do Brasil é mais problemático, porque a relação oficial não é tão estreita.

Muitos integrantes da atual liderança brasileira não consideram os EUA um país amigo, ao passo que, para muitas autoridades americanas, o Brasil adota uma estratégia ultrapassada, de soma zero. Essas avaliações já são obstáculos que precisam ser superados e as revelações de espionagem não melhoram a situação. O Brasil é uma das maiores democracias multiétnicas do mundo e seus valores e perspectivas sociais são predominantemente ocidentais. À medida que sua economia se abre de modo a permitir o crescimento e apoiar os ganhos no terreno da igualdade social, seus interesses cada vez mais coincidem com os dos EUA. Está cada vez mais claro que o Brasil será um elemento importante, cuja parceria os EUA necessitam.

As vozes no Brasil que se opõem a uma maior cooperação bilateral se fortaleceram, em detrimento de ambos os governos. Os vazamentos corroeram a confiança do mundo nos EUA, prejudicando inúmeros dos nossos interesses. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO.

WILLIAM MCILHENNY É PESQUISADOR DO GERMAN MARSHALL FUND.

A ÍNTEGRA DOS ARTIGOS DOS DOIS COLABORADORES DA 'AMERICAS SOCIETY' SERÁ PUBLICADA NA REVISTA 'AMERICAS QUARTELY' EM FEVEREIRO.

 

 

Related

Explore